quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Reconhecer-te

- Você já chegou a se olhar em fotos, ou até mesmo nos espelhos, e não se reconhecer? Isso sempre acontece comigo. É como se eu ficasse tentando me achar em traços alheios, sabe? Mas eles são eu! Aos olhos alheios, aquilo é eu. Talvez eu não me contente com aquilo sou e tento sempre mudar o que serei, ou talvez eu só não seja, entende?

- O não existir?

- É... como se existir fosse uma opção pra mim. As vezes eu me vejo andando por aí, eu me vejo como outra pessoa, só me vejo, não me sinto. Vezenquando, sinto até meu rosto esvair-se, ao pó retornando, como se eu não fosse aquilo que sou. Como se não existisse, como se as pessoas não me vissem. Não me sinto mais, não sinto nada. Só sou. Daí, penso se não sinto, logo não sou; mas não seria penso, logo existo?! E isso não seria pensar?

- Sabe, eu não concordo com ele. René estava terrivelmente enganado ao criar o maior slogan do século. Se não sente, logo não é. Pensar não é variável alguma.

- Gosto quando faz-se íntimo dos filósofos, me aquece o coração ver alguém chamando Descartes de René, me faz lembrar você.

- Acho que aquecer o coração é um tipo de sentimento, não?

- Hm, é... deve ser. Me dá vontade de dançar, digo, corações aquecidos.

- Você odeia dançar.

- Aí voltamos pro paradoxo do não-existir. Não sinto. Não aqueço. Não danço.

- Você devia dançar mais, então.

- Meu psiquiatra está me mandando dançar, é isso? Oh, mas tudo que pedia era por mais serotonina.

- Não, não, estou te chamando pra dançar e discutir sobre René, John e Immanuel. Sutilmente diferente.

- Não gosto de dançar, você já disse.

- Não-gostar também já é um sentimento. Sabe o que eu acho? Eu acho que você sabe o que é, sabe o que sente, sabe que existe. Talvez, você não consiga lidar com isso... com o existir, com os todos os sentimentos.

- Mas apenas não há o que lidar, eu não sinto, eu não sou.

- Acho que você sente até mais do que devia, daí os sentimentos se perdem e você não consegue controlá-los, acaba colocando-os num limbo, desses que você os esquece, e não volta atrás para resgatá-los.

- Está me chamando de paradoxo, Dr. Binswanger?! Logo depois de me cortejar, isso não parece certo.

- Não estou te chamando, você já sabe o que és.

- Sabe, doutor, o que eu nunca, nunca vou saber, por mais paradoxal que seja, é o que eu sou. Eu sou um completo enigma para mim mesma, eu não desejaria isso pro senhor.... deve ser paradoxal demais pra uma pessoa que se diz íntima de filósofos mortos.

- Eu sou um psiquiatra, cherie. Não sei lidar com quebra-cabeças, apenas resolvê-los.

- Então, me parece que você não está fazendo um bom trabalho nesse momento, mon age.

Então, eu olhei pra você. Seus longos cabelos cor de sangue esparramados pelo divã, parecia a aurora que eu nunca mais havia visto. Sua pele cor-de-lua brilhando sobre o entardecer, sua nudez incontrolável. Não me contive. O personagem não se conteve. Fui-te a ti como quem vai à um trampolim para a próxima morte, sangue na boca e lucidez nos olhos. Nunca haveria alguém à te conter. Você ria, agora. Gargalhava, pra ser mais exato. Sabia usufruir exatamente de minha desistência, à seu bel prazer, ainda por cima! Meus olhos te enroscavam como a cobra enrosca a presa, a desistência não me importava mais. O jogo esvaia-se, ainda que o meu personagem gritasse que poderia te entender, mas eu sabia... eu sempre soube..

- Está, certo. Desisto de ser Ludwig Binswanger. Nem o psiquiatra mais famosos do mundo daria conta de ti.

Beijei levemente seus seios desnudos.

- Você é um péssimo ator, mon age. Aposto que Ludwig está gritando que pode me decifrar aí dentro.

- É, de fato ele está. Somente optei por não ouví-lo mais, sujeito mais inconveniente.

Beijava agora sua clavícula rígida e pálida. Você suspirava.

- Sabe... que... assim... você... não.. consegueabroadway.

Beijava seu pescoço.

- Quando eu quiser a Broadway me manterei longe de você, cherrie, fique tranquila.

Você se pôs sobre os cotovelos e me olhou intensamente. Umedeceu meus lábios c'os seus, e sibilou baixinho, quase que inaudivelmente. C'os lábios presos aos meus

- Espero que nunca queira a Broadway.

Eu lhe beijei.

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