terça-feira, 25 de agosto de 2009

Uma música para você

Na sala o cheiro do insenso de camomila pairava no ar, no corredor se via folhas de morango no chão, no quarto uma melodia tocada por violinos soava pelo velho aparelho de som, na cama havia a menina mais linda do mundo sentada de pernas de índio. As luzes amarelas refletiam sobre seus cabelos pretos os fazendo brilhar mais ainda, a blusa branca caia sobre seus ombros de modo delicado, seus olhos fechados e a boca aberta respirando calmamente me deram visão mais serena que eu pude ver ao longo do meu dia conturbado.
- Ouvindo música clássica? - Eu perguntei enquanto jogava o casaco na poltrona ao lado. Ela sorriu levemente, mantendo os olhos fechados.
- Sempre ouvi, costumava me acalmar... – Suspirou lentamente - antes de você.
Me aproximei mais e sentei ao seu lado na cama. O colchão afundou e ela me olhou de esguelha, levantando-se rapidamente e indo até a vitrola. Abaixou-se e pegou outro vinil no chão e o colocou na vitrola. Ficou parada olhando para a parede. Refletindo.
- O som do vinil soa muito melhor - Eu falei me jogando na cama. O colchão afundou. Senti ela se aproximando. O colchão afundou novamente, a olhei de esguelha esperando pela história. Ela sorriu e suspirou me olhando depois se deitou ao meu lado na cama.
- Precisamos de um música. - Falou olhando nos meus olhos. - É bastante clichê, eu sei, mas precisamos. Todo casal tem... sabe, nós deveríamos tentar nos aproximar da normalidade.
- De onde surgiu isso? - Perguntei dando uma leve risada.
- Filme. - Ela confessou e eu ri mais aberto. - Não seja estúpido, é sério. - Ela riu também, contrariando suas palavras. Sem mais nem menos saltou da cama. Eu sentei rapidamente pelo susto. Ela me encarou e prosseguiu andando de um lado ao outro.
- Era com aquela atriz bonita e inglesa, que você gosta tanto. Era antigo, do jeito que eu gosto, algo entorno do século dezenove ou vinte. Ele foi para guerra. Ela ficou. Ela ouvia a música deles e imediatamente lembrava dele. Não consegui ver o final, mas isso ficou rodando na minha mente a tarde toda. - Pasou por alguns segundos. - Precisamos de uma música.
- Nós já temos uma música, mon chérie. Aliás, várias músicas. - Eu sorri para ela.
- Esse é o problema! É muita música para te fazer lembrar de mim. Algum dia ou quando eu partir ou quando você já estiver na meia-idade, com a memória fraca e poucos neorônios, não irá se lembrar de mim e de nossas cinquenta e seis músicas. - Eu ri, ela riu. – Compreendeu?!
- Faz sentindo, admito, mas você sugere que nossa música seja... clássica? - Eu fiz uma careta.
- Pense bem... tem que ser uma música diferente, que não toque toda hora por aí, afinal você se cansaria de lembrar de mim sempre - Ou não, eu pensei, porém continuei calado esperando ela prosseguir com o raciocínio. - Mas também não pode ser uma música que nunca toque, porque assim você ao menos pensaria em mim. Tem que ser algo neutro e nostálgico, o que nos remete a música clássica!
- O que nos remete a eu pensar em você em elevadores ou consultórios de dentistas.
- Elevadores são amáveis. - Ela riu, sem se importar com minha ironia. Eu sorri com isso. - Eu separei tres músicas, e como sou extremamente bondosa vou deixar você escolher, mon age.
- Oh, mas quanta bondade chérie. - Eu sorri e a puxei pelo antebraço para que se sentasse ao meu lado.
Ela sentou ao meu lado e atomaticamente eu peguei sua mão direita brincado com seus longos dedos, com a outra ela apertou play e a vitrola rodou lentamente enquanto uma melodia famosa tocada no piano ocupava o ambiente.
- Bethoven, Nona Sinfonia. – Ela falou, quebrando alguns minutos de silêncio. - Toca de vez em vez nos consultórios porém nunca perde a graça. Não para mim.

- Bonita.... porém muito calma, ao contrário de você.

- De você também. – Ela deitou a cabeça em meu ombro e eu lhe beijei os cabelos, aspirando o cheiro de xampu cítrico que eu tanto amava. – Ok, próxima da fila. – Apertou no controle e a melodia parou. A outra melodia começou a soar pelo quarto de forma crescente. Essa era ritmada por violoncelos em frenesi.

- Bach, Cello Suite. Já ouvi em propagandas e em muitos filmes mas nunca em elevadores. Gosto dela.

- Essa me lembra você. É frenética e inconstante assim como você. – A olhei e sorri levemente.

- Ela me dá vontande de abraçar – Ela riu de leve com sua ideia idiota - Assim como quando eu te olho e tenho vontade de afundar em teus braços – Ela olhou para baixo. – Também é nostálgica... mas de modo bom. Um passado bom, talvez. Como você será – Se inclinou e beijou meu pescoço, deixando a cabeça ali. - ... meu passado bom.

- Me faz imaginar alguém fugindo ou correndo em um campo de morangos. – Eu ri com a minha ideia idiota. – Voce seria bem capaz disso, fugir para um campo de morangos. – Encostei minha boca em sua testa, pousando-a ali.

- Eu não te trocaria por morangos.

- Eu não te trocaria por nada.

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